Caracterizção geral do Rio Grande



CARACTERIZÇÃO GERAL DO OBJETO

O objetivo principal da oficina proposta, em sua origem, deveria ser a produção de uma proposta projetual que de alguma maneira fosse abrangente o suficiente para tocar na questão da transformação do Rio Grande numa grande rede coletora de esgotamento sanitário, nas últimas décadas.

Por conformarmos uma equipe de trabalho basicamente de pessoas estranhas à realidade local, decidimos por realizar duas caminhadas de reconhecimento e registro de informações sobre o rio e seu entorno imediato.

Como o olhar da equipe da Casa da Cidade se configura como um olhar externo ou alienígena, a primeira vista é que o Rio Grande, apesar da contaminação e da sujeira tanto do esgoto quando de material sólido atirado no rio, é um rio de grande beleza imagética e natural. Sua conformação em um vale raso encaixado, possui uma coloração (observada em sua porção natural e ainda límpida) típica dos cursos d´água da região, com seu fundo capeado pelo embasamento cristalino e quartizítico. A presença de pequenas cascatas, decorrentes da própria formação geomorfológica regional é recorrente, o que acrescenta grande beleza cênica ao rio e ao seu entorno.

Apesar da óbvia e flagrante contaminação e sujeira do Rio, o que se percebe, além da explícita relação desgastada ao extremo da população ribeirinha com o rio, é que já não há mais espaço no imaginário local para uma revitalização ou naturalização do rio. A canalização e o "desaparecimento" do rio aparecem finalmente como a solução única e urgente para o problema do rio, do bairro e da cidade.


O claro equívoco se dá por conta da falta de informação sobre o problema, que parece realmente grave, e é, mas que seria resolvido rapidamente com a instalação de uma rede de esgotamento sanitário com separador absoluto, independente da rede de drenagem pluvial. Sem o lançamento de esgoto "in natura" no rio, grande parte do problema da sujeira, da contaminação e do mau cheiro desapareceriam rapidamente.

Obviamente o problema do lançamento de sólidos (garrafas PET, sacos plásticos, etc.) restaria para ser resolvido paralela e concomitantemente com o processo de descontaminação e com um processo de educação ambiental, de recuperação da própria memória do rio e transmutação das referências negativas da população em referências positivas que servissem como impedimento à utilização do rio como destino final de entulho e lixo doméstico. Outro problema a ser abordado diz respeito à ocupação da APP do rio, que em nada difere da tipologia de ocupação de rios urbanos em todas ou quase todas as cidades brasileiras. A ocupação do rio Grande se mostrou bastante heterogênea no que toca o tipo de ocupação mas ainda se mostra relativamente restrita aos extratos populacionais pertencentes aos níveis de renda mais baixos no âmbito local. Em seu terço superior logo abaixo da nascente do rio e logo à jusante do seu represamento, na altura do bairro Rio Grande, a ocupação se dá literalmente dentro do rio, apresentando problemas graves de inundação no período chuvoso uma vez que se encontram dentro da faixa do nível de máxima cheia do Rio Grande (fato confirmado pelo testemunho da população ribeirinha).


O trecho à jusante da fábrica de tecidos, denominado como bairro Mandacaru (Cidade Jardim?), é caracterizado por uma modificação sutil da ocupação das margens do rio, com uma elevação pequena do nível de renda da população ribeirinha e a presença de porções de terrenos urbanos ainda não ocupados (sem identificação ainda dos proprietários efetivos destes terrenos), o que abre o leque de possibilidades de ocupação futura.

Obviamente que o tipo de ocupação depende sobremaneira da própria característica dos proprietários que podem ter características diversas indo desde a não ocupação com objetivo especulativo até o uso público ainda não definido por falta de diretrizes ou por falta de recursos para efetivação da ocupação mesmo que de interesse social. Como os proprietários não se encontram tipificados, resta considerar que o simples fato destes terrenos restarem desocupados abriria a possibilidade de uma discussão sobre a função social destes, estando eles em área de preservação e de profunda sensibilidade urbano-ambiental.

Em seu terço final, na altura do bairro da Palha, o rio se encontra em seu pior estado de contaminação uma vez que recebeu todo o esgoto não tratado de toda a cidade. A população ribeirinha volta a ser de mais baixo extrato de renda, mas a presença de terrenos vazios lindeiros ao rio ainda persiste. Duas estações elevatórias foram observadas. Uma primeira no limite do que seria o bairro Mandacaru e a Palha, na altura do Caminho do Carro (ponte sobre o rio Grande), outra mais à jusante já fora da mancha urbana, ao longo da estrada para o Serro e Milho Verde, além da Casa da Mulheres Reais. Além destas estações elevatórias pudemos observar a presença de tubulações provavelmente sendo instaladas para futuro funcionamento de uma rede de esgotamento sanitário, mas essas tubulações cessam na altura do Beco do Moinho, onde se observa uma cascata de boa queda d´água. Não temos informações precisas sobre o tamanho e a caracterização geral da rede instalada ou a ser instalada, bem como de uma ETE que receberia o esgoto desta futura rede.


PROPOSTA

A visão do grupo de trabalho se pautou pela crença profunda na limpeza do rio, uma vez que a rede separadora de esgoto venha a ser instalada e o esgoto da cidade de Diamantina venha a ser tratado antes de retornar ao Rio Grande. Esta limpeza seria crucial para a retomada da memória do rio como um rio limpo, capaz de apresentar vida novamente e se transformar numa referência positiva para a população ao invés de simplesmente ser suprimido do universo diamantino.

O grupo optou também por não propor algo projetual e objetivo, visto que outros projetos e ações vêm sendo gestados e propostos de maneira inútil por muitas décadas, agravando assim a percepção profundamente negativa que a população da cidade tem sobre o Rio Grande. Antes, foi tentado pensar num movimento de discussão maior do que uma proposição vazia, um movimento que fosse capaz de abrigar abordagens mais amplas, capazes de rediscutir a imagem do rio perante a população e de desarmar a imagem extremamente negativa e definitiva de que não há solução possível fora da canalização e do "desaparecimento" do Rio Grande.

A ideia principal é que se questione de maneira ampla as possibilidades de naturalização e revitalização do rio, tanto na dimensão ambiental e de qualidade de suas águas, quanto no valor simbólico e imagético que o Rio Grande poderia proporcionar á cidade de Diamantina, para tanto resolvemos focar na construção de uma ideia que possa ter continuidade e que se avolume e seja adotada e alimentada pela população, numa linha do tempo que vá mais além do que a proposta pontual de um projeto específico.



REUNIÃO PÚBLICA

Para seguir com o objetivo do GT, foi proposta uma reunião em conjunto com os diversos agentes envolvidos direta e indiretamente na problemática do Rio Grande. Esta reunião que contou efetivamente com a participação de figuras importantes do cenário ambiental e sanitário do Estado, a princípio se mostrou bastante promissora em sua dimensão política e como arena de discussão aberta sobre a questão de saneamento das águas do Rio Grande. Além do GT Parque do Rio Grande e o pessoal do Festival de Inverno da UFMG, desde os coordenadores até os participantes em geral, contamos com a presença de uma equipe da COPASA, do Secretario de Meio Ambiente do Município de Diamantina, Marcílio Fonseca, o consultor Kaká Maria, e do idealizador do Projeto Manuelzão, Apolo Heringer, além de representantes da comunidade do Rio Grande. 

À despeito do esforço de todos em se fazerem presentes e abertos à discussão proposta, o resultado prático desta reunião "in loco" restou absolutamente inócuo. Sem prazos firmados pela COPASA para que as obras parciais do sistema de esgotamento sanitário da cidade de Diamantina efetivamente esteja funcionando e sem qualquer iniciativa do poder público municipal no sentido de abordar o problema sanitário da comunidade do Rio Grande, o encontro acabou com um sentimento claro de que nada será feito no curto prazo que possa modificar, mitigar ou sanar os problemas graves da comunidade afetada e do rio especificamente.

Apesar de ter sido proposto um projeto pelo consultor Kaká Maria em 2005 de naturalização e reabilitação do Rio Grande, quando este efetivamente fazia parte do quadro de técnicos do IGAM em Diamantina, nada foi feito desde então, nem do ponto de vista técnico, nem político, nem prático. Esta falta de perspectiva e inércia absoluta dos diversos agentes envolvidos certamente tem contribuído sobremaneira para uma desmobilização da comunidade em torno do problema e para instalação de um sentimento desilusão e insolubilidade de um problema típico e recorrente em todas ou quase todas as cidades brasileiras.

Este sentimento de descrédito e desilusão quando à possíveis soluções, já percebido pelo GT quando foram realizadas entrevistas com moradores, com toda certeza foi reforçado pela reunião pública realizada. É sintomático que a própria associação dos moradores do Rio Grande, que participou das discussões do GT, não tenha comparecido à reunião, que foi confundida pela população local presente com um encontro político, talvez pela presença de pessoas da prefeitura e pelo período eleitoral próximo.


O GT do Parque do Rio Grande, perplexo frente a grandeza da inércia institucional e a falta de mobilização em torno do problema, foi obrigado a reavaliar parcialmente o objetivo específico de sua proposta de trabalho. A escolha de abordar o problema de maneira mais abrangente e menos projetual se mostrou acertada, uma vez que qualquer tipo de proposta nova se mostraria completamente vazia, ainda mais levando em consideração que um projeto específico de mesmo cunho conceitual já havia sido proposto em 2005 e foi sumariamente abandonado e esquecido.

O Grupo seguirá direcionando suas ações para uma tipificação geral do problema, proporcionando uma visibilidade total deste, através dos mais diversos meios midiáticos numa escala local e global que possa garantir que, a exemplo de outras iniciativas, o abandono do problema sanitário do Rio Grande e de sua comunidade não seja esquecido e abandonado com o término do Festival de Inverno da UFMG que ora tenta discutir a questão. Cada um dos participantes continuará a propor ações práticas, acadêmicas e técnicas que mantenha viva a discussão sobre o Rio grande.

Nos parece, afinal, que infelizmente o caminho da visibilidade e da pressão pura e simples é talvez o direcionamento que deva ser adotado como forma de encaminhar algum tipo de ação efetiva. O fato da cidade de Diamantina ser Patrimônio da Humanidade talvez sirva enfim como pano de fundo para um problema gravíssimo de exclusão socio-ambiental como o da comunidade do Rio Grande e do próprio rio, que não aparecem nos cartões postais nem nas chamadas virtuais deste importante centro histórico. À margem do centro da cidade, que segue como cenário histórico e cultural, corre todo um universo paralelo de degradação socio-ambiental absolutamente invisível.  



 Christiano Ottoni Carvalho
Arquiteto-urbanista, mestre em Geografia pelo programa de Tratamento da Informação Espacial (PUC/ MG). Trabalhou com mediação ambiental, foi consultor da FEAM e coordenou Planos Diretores Municipais, Planos de Habitação de Interesse Social e Planos de Desenvolvimento Regional; Atualmente é professor da UNIBH.

2 comentários:

  1. Muito obrigado pelas palavras e abordagem! O Rio Grande é uma dádiva esquecida deste Patrimônio! Vamos seguir na LUTA por um Parque Municipal do Rio Grande! Tirar o esgoto e botar pessoas se divertindo!

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  2. Muito bom o projeto. Eu quanto morador ribeirinho parabenizo a equipe pelos esforços cedidos ao bem da recuperação e revitalização do Rio Grande. É desanimador a proatividade do poder público em resolver efetivamente esses problemas qe envolve o Rio Grande. Mas continuamos exercendo nossa cidadania e cobrando e participando de politicas publicas que venha trazer uma melhoria para nossa cidade

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